Tempestade
Acho
que a mais interessante coleção de memórias que ainda mantemos em
nossos cérebros abarrotados de informações, vêm da infância.
Ontem mesmo, dia 15/02/2015, uma tempestade daquelas que não víamos
há muito tempo aqui no Rio de Janeiro, se formou. Uma bela, luminosa
e rebimboante reação da natureza a tanto aquecimento! Sempre fui
fascinado por essas manifestações de fúria dos elementos.
Certamente é algo ancestral que nos prostra perplexos, assustados e
maravilhados diante de tal grandiosidade. A tempestade me
fascina desde do seu ponto crucial até a sua dispersão, quando
entre reluzentes e estroboscópicos relâmpagos ainda escutamos os
sons dos trovões distantes. Minha imaginação viaja para essas
distâncias e uma sensação de onipresença me inunda, como se
pudesse me transportar à todos esses lugares!
Lá
pelos idos dos anos 1970, eu devia ter uns 6 para 7 anos, meu pai
trouxe para casa um disco com a 6ª Sinfonia de Beethovem, a
Pastoral. Fiquei encantado e apaixonado pelo o que eu considero ser a
melhor descrição de uma tempestade jamais composta dentro da arte
musical! A Pastoral é perfeita em todos os seus movimentos, na
escolha dos instrumentos que nos fazem visualizar uma tempestade em
todas as suas nuances e na sua expressão apaixonada, própria de uma
alma como a de Beethoven! A sua força descritiva é tão
impressionante que os estúdios Disney criaram uma animação
fantástica e exclusiva para os seus movimentos na década de 1940 no
filme Fantasia.
Lembro
da primeira vez que experimentei essa sensação na minha infância,
pelo menos quando tomei consciência do que era uma tempestade. Muito
amedrontado perguntei a minha mãe que estrondos assustadores eram
aqueles e ela me dizia que era São Pedro arrastando os móveis,
porque estava insatisfeito com a arrumação do céu. A julgar pela
potência dos estrondos, fiquei imaginando o tamanho dos móveis de
São Pedro! Mães sempre têm um jeitinho especial de nos
reconfortar, de apaziguar nossos medos com explicações muito
criativas. Mas realmente fiquei muito tempo digerindo e intrigado com
aquela história de arrumação de móveis.


Esse
disco teve um fim trágico! Eu o ouvia todos os dias! Tanto que quase
já não havia mais sulcos para a agulha da vitrola percorrer!
Hoje
já não encontro uma edição dessa sinfonia com a mesma pujança e
paixão com que a orquestra que gravou aquele disco na
época, interpretou a obra de Beethoven. Quanto mais o tempo
passa, mais se perdem ou se desvirtuam as referências do autor na
interpretação de sua obra. Para se ter uma ideia, essa composição
foi finalizada em 1808 e sua primeira execução foi em 22 de
dezembro de 1808. Beethoven insistia que essa obra não deveria
ser interpretada como um "quadro sonoro", mas como uma
expressão de sentimentos. O que infelizmente tenho visto ao longo
dos anos, é que essa "expressão de sentimentos" vem se
diluindo e as interpretações mais modernas pecam principalmente no
andamento. Mas a despeito disso tudo, recomendo a todos que se
souberem da execução dessa sinfonia em qualquer lugar por aí, não
percam a oportunidade de saborear essa obra prima dessa grande alma e
mestre da música! O senhor da Tempestade!
Por
Mauricio Azevedo
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