O Resgate de 1966

    Aquele ano foi trágico para o Rio de Janeiro. Uma chuva intensa castigou toda a cidade por cinco dias ininterruptos. Dois edifícios e uma casa ficaram soterrados na Zona Sul. Canais e rios transbordaram inundando tudo a volta. A enxurrada deixou um saldo de 200 mortes e 50.000 desabrigados.  Foram 245 mm de chuva. Mais do que poderia chover em 3 meses. Naquele ano, eu tinha 7 anos e cursava o primeiro ano primário na Escola  Municipal Afonso Pena na Rua Barão de Mesquita na Tijuca, hoje tombada pelo patrimônio histórico.
Escola Municipal Afonso Pena
 Para uma criança, aquele foi um dia assustador. Nunca tinha visto cair tanta água do céu! A Rua Barão de Mesquita se transformou num rio caudaloso que ia desaguando no rio Maracanã, próximo dali. A aula acabou , o sinal de saída soou, mas estávamos ilhados! Aos poucos a maioria das crianças foi sendo resgatada por seus pais até sobrar apenas eu. Fiquei sozinho a porta da escola, abrigado pela sacada, olhando perplexo aquele rio e a chuva que ainda caía. De repente uma visão em meio aquela água barrenta me chamou a atenção. De calças arregaçadas até o joelho vinha caminhando naquele aguaceiro, o meu Pai! Meu coração se encheu de euforia! Meu Pai vinha me resgatar! Eu imaginava que à uma hora daquela meu Pai ainda estivesse trabalhando na oficina da Citroën em Botafogo. Sim! A Citroën tinha uma concessionária e oficina funcionando na Rua Bambina!
Anuncio da época
 


Mas não! Ele tinha vindo me resgatar! Ele me pegou no colo. Eu e a minha malinha de materiais. Não usávamos mochilas naquele tempo. E caminhamos sobre as águas barrentas até chegarmos ao nosso Deauphine verde esmeralda. Acho que foi o pior carro que o papai já teve! Mas era valente para enfrentar enchentes. Aliás, esse carrinho da Renault tinha um irmão gêmeo, o Gordini. Eu achava que ele se chamava assim porque parecia com um sujeito gordinho, mas vai entender cabeça de francês!

Deauphine
E assim fui para casa, resgatado e salvo da enchente pelo meu Pai!
Mas o que esse pequeno e marcante episódio de minha infância fala mais fortemente ao meu coração, ainda de menino, é o Amor que leva um Pai a fazer de tudo pelo seu filho! Por todos os percalços, sofrimentos e frustrações que vivi depois da separação dos meus pais em 1968, hoje sinto e tenho certeza de que esse gesto do meu Pai valeu para minha vida toda! Por todos os anos em que senti muito a falta dele! Pelo Pai que hoje sou e pelo apoio que hoje dou à velhice dele. Não somos mais do que poeira de vida levada pelo vento! Mas são grandiosas as pequenas demonstrações de Amor que deixamos!
Certamente os gestos e ações de Amor se perpetuarão por infinitas gerações, não só como símbolo de Paternidade, mas como a insuflação mais singela do Pai Maior em nossas almas.
Deixo aqui esse testemunho para que os melhores valores para nossas vidas não se percam e para a redenção daquelas almas que por muito menos se sentem injustiçadas pela Vida.

Por Mauricio Azevedo
Em 11/02/2015

Comentários

  1. Fico feliz que você pode enxergar o que havia no mais profundo do seu ser. O MELHOR! Da mesma forma que Deus também me deu esta oportunidade, deu a você para que assim, encontre a verdadeira paz. Te Amo!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Pra que serve um Sonhador

Crônica crônica

O que temos a dizer ao Mundo?